terça-feira, 9 de novembro de 2010

Literatura Brasileira e grandes escritores na década de 80

Com seu “traço anti-cabralino”, como disse certa vez Ana Cristina Cesar, a poesia marginal trouxera de volta a questão do sujeito e o valor do subjetivo na poesia. Poesia: discurso da intimidade. Mas a subjetividade pós-moderna já não é mais a mesma que se tinha na primeira metade do século XX. O sujeito pós-moderno existe na moldura da visibilidade total. A intimidade é um valor que mudou de figura. Portanto, poetizar a intimidade do homem comum – que foi o maior valor poético do modernismo – tornou-se um projeto necessitado de revisão. No regime da visibilidade televisual total, todo mundo aparece para todo mundo, com suas caras, suas cores próprias, suas variedades, seus números. O universal só existe em estado de diversificação. O homem comum de repente pode ser uma mulher?
Nessa cultura, o sujeito apresenta-se a priori marcado. Marcado pela presença forte da figura autoral na esfera pública. Na antiga civilização do apenas impresso, tanto o político quanto o escritor eram entidades abstratas, que só existiam na folha de papel e podiam por isso falar em nome de um “neutro” que era o sujeito universal. Na civilização televisual, quem fala aparece visualmente diante de todos. A escrita adere à fala e a fala se dá em presença. A fala é performance. O sujeito é aquela pessoa física, performática, simulacral. A comunicação se dá no face a face da tela, que os jornais comunicam no dia seguinte. O romancista escreve seus livros, mas vai à TV discuti-los no quadro de sua própria vida. O sujeito poético é uma projeção desse novo tipo de indivíduo, dessa nova definição da intimidade, enquanto algo já não simplesmente privado. Tal é a condição da marca autoral na poesia pós-modernista.
Marcas de gênero: a questão das mulheres, da poesia feminina por oposição à dominante masculina de todo o sempre. O sujeito humano é mulher. O sujeito é mulher? A marca sexual: poesia gay, poesia lésbica. Marca racial – poesia negra, poesia indígena, etnopoesia. Marca pós-colonial: poesia bilíngüe, multilíngüe. Marca pessoal: a auto-referência burlesca, o dar-se em espetáculo, revelando a intimidade como ato de obscenidade poética.

Na poesia brasileira do fim do século, o sujeito marcado por gênero é de longe o mais importante nessa multiplicação de marcas. A poesia escrita por mulheres apareceu no cenário com força quantitativa. Citemos mais alguns nomes, além daqueles já mencionados: Olga Savary, Cora Coralina, Neyde Archanjo, Orides Fontela, Dora Ferreira da Silva, Angela Melim, Helena Kolody, Lupe Cotrim Garaudy, Josely Vianna Baptista, Zila Mamede, Lélia Coelho Frota, Dora Ribeiro, Iara Vieira e tantas outras, como as mais recentes Cla-ra Góes, Vivien Kogut, Janice Caiafa. Há também uma poesia que recoloca a questão negra, desta vez em primeira pessoa, e não mais em terceira como no arquetípico poema modernista de Jorge de Lima “Essa negra fulô”. Cito aqui três nomes importantes: Adão Ventura, Salgado Maranhão, Ricardo Aleixo. E fatos importantes, como a tradução de poesia ioruba por Antonio Risério e as antologias Ebuli-ção da escrivatura e SchwarzePoesie/ Poesia Negra (esta, edição bi-lingüe lançada na Alemanha). Em matéria de poesia gay, temos os nomes de Antonio Cícero, Valdo Mota, com Roberto Piva e Glauco Mattoso fazendo o elo entre gerações.
Por: Leia Farias

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